terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A QUESTÃO DOS LIMITES ENTRE OS MUNICÍPIOS DE CAPELINHA E VEREDINHA

                    O arraial e distrito da Senhora da Graça da Capelinha, fundado em 1809 por Manuel Luiz Pego, muito cedo teve seus limites territoriais bem definidos. Documento lavrado pelo padre João Gonçalves Mendes, primeiro vigário da freguesia de Nossa Senhora da Piedade, atual município de Turmalina, atesta que, desde 1856, “...foram as divisas da Aplicação da Piedade com a então nova da Senhora da Graça, feitas competentemente pela maneira seguinte: da barra do ribeirão onde morou Luiz Alves de Macedo até a barra do córrego dos Macacos, e por este acima até o estreito do Valo atravessando a estrada; e pelo espigão que desce para a Fazenda do Monte Alegre (águas vertentes) até o espigão das Mangabeiras, e daí até o rio Itamarandiba, ficando a pertencer à Aplicação e Distrito da Senhora da Graça o que fica para cima desta divisa, a qual foi aprovada pelo então Capitão Comandante deste distrito, relativamente ao mesmo...”  Fazia-se, nessa época, o estabelecimento das divisas do distrito, porque uma comissão de moradores reivindicava a sua elevação a freguesia. Isso efetivamente veio a ocorrer dois anos depois, quando a Lei Mineira nº 899, de 4 de junho de 1858, criou a paróquia ou freguesia de Nossa Senhora da Graça da Capelinha. Nunca o distrito de Capelinha apresentou qualquer litígio de divisas com os territórios vizinhos. Apenas em 1891, quando, não obstante estivesse consolidada a República, os bispos diocesanos ainda mantinham poder sobre as jurisdições das freguesias, foram alteradas as divisas com a paróquia de São João Batista (atual Itamarandiba), ocasião em que o Sr. Bispo de Diamantina atendeu a reclamações do vigário daquela vizinha freguesia.
                    Mais tarde, a Lei Estadual 556, de 30 de agosto de 1911, criou o município de Capelinha e, mais uma vez, mantém as divisas do distrito. Em nenhum momento de sua história municipal, os limites do território de Capelinha suscitaram qualquer dúvida de interpretação ou litígio com os municípios vizinhos. Isso só veio a ocorrer no início da década de 1990, como decorrência de uma atitude infeliz do Instituto de Geociências Aplicadas de Minas Gerais. Muito pouca gente dentre os cidadãos capelinhenses tem conhecimento de que uma simples “canetada” do IGA determinou para Capelinha uma perda territorial de mais de 240 Km2. Poucos também são os que sabem que tal alteração mudou o destino de cerca de 50 famílias que, da noite para o dia, deixaram de ser capelinhenses, porque foram remanejadas para o município de Veredinha.

O SURGIMENTO DA QUESTÃO DOS LIMITES

                    Em 1990, técnicos do Instituto de Geociências Aplicadas de Minas Gerais (IGA), numa atitude unilateral e fora de propósito, alteraram os limites do município de Capelinha com o de Turmalina, recuando-os de seu ponto original, o Espigão das Mangabeiras, para as cabeceiras do córrego Santa Catarina. Por ocasião das alterações processadas pelo IGA, o então Prefeito Municipal de Capelinha, Dr. Edimar Antônio Godinho Pimenta, interpelou sobre o equívoco à direção daquele instituto, que se manteve inflexível e alegou estarem tecnicamente corretas as alterações, pelo que deveriam ser mantidas. O vice-Prefeito, Pedro Antônio Coelho, inconformado com esta significativa perda para o município de Capelinha, procurou o Prefeito de Turmalina, conhecido popularmente por “Roque”, para se pronunciar sobre o erro do IGA. “Roque” não apenas reconheceu tal equívoco como também se dispôs a assinar documento de retificação dos limites. Como, porém, havia certas divergências políticas entre os prefeitos dos dois municípios, o Sr. “Roque” impôs como condição para assinatura do documento retificador dos limites municipais a ida do Sr. Edimar Pimenta à Prefeitura de Turmalina, condição essa não acatada pelo Prefeito de Capelinha. E o problema continuou em brancas nuvens até o ano de 2001, quando foi retomado pela Câmara Municipal de Capelinha. Em 1995, tendo sido criado o município de Veredinha, passou a ser com este o problema da demarcação dos limites.
Ao qualificarmos como fora de propósito a ação do IGA, fazemo-lo com a ciência de que os seus técnicos tomaram tal decisão com base apenas em dados visualizados em imagens de satélite, no conforto de escritórios com ar refrigerado, sem ao menos conhecerem os municípios afetados. Somente em maio de 2003 é que aqueles técnicos vieram conhecer pessoalmente a área limítrofe, juntamente com os vereadores de Capelinha. Nessa última ocasião, o IGA ratificou mais uma vez sua posição oficial sobre a questão: tecnicamente está correta a delimitação que fizeram constar nos anexos da Lei Estadual 12030/95, que criou o município de Veredinha, pelo que, na sua ótica e parecer oficial, a situação presente deverá prevalecer.
                    Alega hoje o IGA que, “Com base na cartografia antiga e em normas legais de épocas diversas, a divisa sempre correu pelo divisor de águas” – o Córrego Santa Catarina – “deixando toda a bacia do Ribeirão Macaúbas em território do município de Minas Novas, desde a época da emancipação de Capelinha, em 1911.”
                    Naturalmente, a controvérsia criada pelo IGA foi motivo de incômoda surpresa para os munícipes capelinhenses, sobretudo pela sua estranha inflexibilidade em determinar que prevaleça a sua posição. Trata-se de um desvario que acarretou para Capelinha perdas consideráveis, como aqui ficará demonstrado.

ANÁLISE DO RELATÓRIO DO IGA E DA QUESTÃO – Primeiras Considerações

                    O relatório dos técnicos do Instituto de Geociências Aplicadas de Minas Gerais, resultado de um trabalho de campo realizado na circunscrição da área de limites Capelinha/Veredinha, entre os dias 21, 22 e 23 de maio/2003, é passível de críticas logo em seu início, na propositura do objetivo que os move: “A vistoria teve como objetivo identificar os acidentes geográficos citados na Lei nº 12.030, de 21 de dezembro de 1995, em vigor, que criou o município de Veredinha e que descreve os limites entre este município e o de Capelinha, além de esclarecer aos Senhores Vereadores e membros da comunidade o local correto por onde corre essa linha de limites.”  Fica aqui evidente que toda a orientação do trabalho dos técnicos em sua vistoria norteava-se em esclarecer – ou provar – para Capelinha a sua verdade, trazida prontinha sob forma de mapas, textos, aparelhos e... argumentos! As observações e circunstâncias da visita em nada mudariam uma certeza preconcebida. Posto que vieram apresentar à comunidade local o seu veredicto sobre os limites entre os dois municípios, descartado estava qualquer crédito ao que se pensava em Capelinha. Aquele poderoso instituto não voltaria atrás em suas posições contidas nos subsídios técnicos fornecidos, em 1995, à Assembléia Legislativa de Minas Gerais a título de anexos para a Lei 12030, que criou 97 novos municípios em Minas. Nessa ocasião, não se cogitou de conferir “in loco” os pormenores das divisas municipais e, em 2003, suscitada sua imprecisão, desconsiderou-se o pleiteio de Capelinha, afirmando-se presunçosamente que estavam corretas as divisas estabelecidas pelo IGA.
                    Os senhores vereadores capelinhenses empreenderam, juntamente com os técnicos do IGA, uma inócua vistoria aos marcos de divisas entre os municípios de Capelinha e Veredinha. Ratificaram durante todo o tempo sua preocupação com as perdas dos munícipes capelinhenses: 246,79 Km2 de terras, mais de R$ 20 mil em ICMS mensais e, acima de tudo, cerca de 200 pessoas que ali mantêm suas propriedades, suas raízes ideológicas e culturais. Não sensibilizou aos técnicos o fato de que, juntamente com aquelas terras, vai-se uma parte da identidade e da história municipal de Capelinha.
                    Não obstante estas colocações, o que motivou o pleiteio de Capelinha para que fossem restabelecidos os limites originais com o município de Veredinha está consubstanciado em direito líquido e certo. Ocorre que há um erro cometido pelo estado e que precisa, necessariamente, ser reparado, ainda que, ao depois, saiam arranhados o conceito e o prestígio do IGA. Se alguém há que pagar por esse erro que seja o próprio IGA que o cometeu!
                    Ainda no início de seu relatório, os técnicos do IGA tentam se firmar como donos da verdade, quando, ironicamente, tomam por crendice o pensamento local acerca das divisas: “De acordo com os depoimentos prestados por membros da municipalidade de Capelinha, acreditava-se que a linha de divisas entre Capelinha e Veredinha corria mais ao norte, pelo espigão da Mangabeira, e que, após seguir por este espigão, a divisa alcançaria o divisor de águas dos rios Itacarambi (sic) e Fanado.”. Ora, estranha seria, sim, qualquer outra crença que não fosse esta, já que ela é que sempre vigorou, antes que o IGA interferisse e alterasse as divisas entre os dois municípios.

O epicentro da questão

                    Todo o problema está centrado numa possível redivisão territorial que a Lei nº 12030 teria provocado entre os municípios de Capelinha e Veredinha, pois que alterou significativamente suas antigas e tradicionais divisas. Essa lei, que criou o município de Veredinha – e 96 outros em Minas Gerais – traz em seus anexos a definição das divisas entre os dois municípios, divisas essas baseadas em subsídios técnicos fornecidos à Assembléia Legislativa de Minas Gerais pelo Instituto de Geociências Aplicadas de Minas Gerais – IGA. O IGA afirma taxativamente que não procedeu a qualquer alteração nas divisas entre os dois municípios, que “somente alguns ajustes foram feitos em seu texto legal, baseado (sic) em documentos cartográficos mais modernos”. Entretanto, demonstraremos que a edição da Lei 12030 contém, sim, alterações significativas e que, efetivamente, passaram a prevalecer após a emancipação do distrito de Veredinha.
                   
O que diz a lei

                    Se forem analisados os dispositivos legais relativos à trajetória histórica de Capelinha, ver-se-á que todos eles mantiveram inalterados os limites do que é atualmente seu território municipal.
                    a) Em 1856, uma comissão de moradores do arraial de Nossa Senhora da Graça da Capelinha envidou esforços para sua elevação à categoria de freguesia. Nesse intuito, providenciou-se a documentação que a Diocese e a Assembléia Legislativa Provincial exigiam, aí incluída a definição dos limites do território. Estes foram traçados e aprovados pelo Capitão Comandante do distrito e assim explicitados: “da barra do ribeirão onde morou Luiz Alves de Macedo até a barra do córrego dos Macacos, e por este acima até o estreito do Valo atravessando a estrada; e pelo espigão que desce para a Fazenda do Monte Alegre (águas vertentes) até o espigão das Mangabeiras, e daí até o rio Itamarandiba, ficando a pertencer à Aplicação e Distrito da Senhora da Graça o que fica para cima desta divisa”.Esse documento, redigido pelo então vigário de Turmalina e ratificado pelo Capitão Comandante do distrito, estabelecia, em 1856, as divisas do que seria a freguesia de Nossa Senhora da Graça da Capelinha, oficialmente criada em 1858. Não há qualquer dúvida sobre a coincidência das antigas divisas da freguesia e distrito da Senhora da Graça da Capelinha com as do atual município de Capelinha. Os territórios dos antigos distritos de paz correspondiam aos das freguesias criadas pelo poder eclesiástico. Cotejem-se os comentários de D. João Pimenta, primeiro Bispo de Montes Claros e vigário de Capelinha no ano de 1891, feitos acerca das divisas em questão, em 18 de fevereiro daquele ano : “1º - Este documento me foi apresentado por Domiciano Rodrigues Pego, o qual me disse que seu pai, Antônio Rodrigues da Cruz, o requerera e obtivera do Revmº Pe. João Gonçalves Mendes para poder instruir o processo inicial de uma demanda. Antônio Rodrigues da Cruz era filho legítimo de João Rodrigues da Cruz, primeiro proprietário da fazenda de Monte Alegre. 2º - Ainda se vêem atualmente vestígios do valo que deu nome ao estreito formado pelas cabeceiras do córrego dos Macacos e do ribeirão de Monte Alegre. Este valo foi feito por João Rodrigues da Cruz para fechar aquele córrego. 3º - O Espigão das Mangabeiras é hoje mais conhecido pelo nome de Espigão do Tingui. Vai terminar no Itamarandiba perto do lugar denominado Pinguela, e é, na verdade, todo povoado de mangabeiras.”                                  
                    Esta transcrição foi feita do Livro do Tombo nº 1 da Paróquia de Capelinha. Observe que ela confirma os dados das divisas das freguesias de Capelinha e Piedade (Turmalina) para efeitos de uma demanda de terras entre fazendeiros. Já se pode antecipar uma certeza: desde o início da história da freguesia e distrito da Senhora da Graça da Capelinha, suas divisas com a de Piedade (depois, Turmalina) sempre foram efetivamente mais setentrionais ao que hoje postula o Instituto de Geociências Aplicadas de Minas Gerais. Quando foi editada a Lei Mineira 899, de 04 de junho de 1858, criando a freguesia da Senhora da Graça da Capelinha, seu artigo 2º, de forma simples e inequívoca, afirmava que “As divisas desta Freguesia com as de S. Pedro do Fanado e da Senhora da Piedade serão as mesmas ora existentes do Distrito.”
                    b) Dom João Pimenta ratificou nesse ano todas as divisas da freguesia e distrito da Senhora da Graça da Capelinha e as descreveu, no que concerne aos limites com a freguesia da Piedade, atual município de Turmalina, assim: “Pelo ribeirão dos Macedos até a barra do córrego dos Macacos, e por este acima até sua nascente, no estreito do valo, junto a estrada deste arraial para Piedade e Minas Novas; daí pelo espigão que desce para a fazenda do Monte Alegre (águas vertentes) até o espigão das Mangabeiras (Tingui), e por este abaixo no Itamarandiba”. Ressalte-se que D. João Pimenta conhecia cada palmo do território da freguesia, porque os percorria diuturnamente em sua missão de pároco, fato comprovado nas memórias registradas por ele no Livro do Tombo da paróquia de Capelinha.
                    c) Em 1911, a Lei 556, de 30 de agosto, criou 40 novos municípios em Minas Gerais, incluído o de Capelinha, desmembrado de Minas Novas. O artigo 8º dessa lei estabelecia que “As divisas dos novos municípios são as dos distritos, de que se compõe (sic), salvo alterações feitas nesta lei”. Ora, no corpo da Lei 556 constam as alterações de divisas relativas a outros municípios e distritos, mas nenhuma alteração ali é registrada em relação ao território de Capelinha, o que faz valer o enunciado inicial de seu artigo 8º, Ou seja, por essa lei, o distrito e freguesia da Senhora da Graça da Capelinha emancipava-se de Minas Novas, conservando inalteradas as suas divisas.
                   
                    d) Afirmam os técnicos do IGA, em seu Relatório Técnico – Vistoria da Linha Divisória entre os Municípios de Capelinha e Veredinha, que “Em 1938, o estado de Minas Gerais passou por uma profunda alteração quanto a sua organização administrativa, quando todos os municípios mineiros foram mapeados e suas descrições legais publicadas através do Decreto-Lei nº 148, de 17 de dezembro.” Todavia, são obrigados a confessar, mediante transcrição da parte desse dispositivo legal referente às divisas municipais de Capelinha, que tais divisas não foram aí alteradas. Ou melhor, as divisas municipais de Capelinha foram ampliadas ao sul, pois o distrito de Água Boa – ainda pertencente a Capelinha – adquirira de Santa Maria do Suaçuí uma porção territorial que incluía o povoado de Horizonte. Também não se alteraram as divisas municipais de Capelinha pelas legislações subseqüentes (Decreto-Lei 1058, de 31 de dezembro de 1943; Lei nº 336, de 27 de dezembro de 1948). Ressalte-se, finalmente, ser fato por demais conhecido que as sucessivas legislações relativas à divisão político-administrativa de Minas Gerais promoveram substanciais mudanças em diversos municípios e distritos. Isso não se aplica, porém, a Capelinha.
                    e) A penúltima menção legal às divisas entre os municípios de Capelinha e Turmalina (ou com o distrito de Veredinha), antes da interferência do IGA, é datada de 27/12/1948 e as estabelecia da seguinte forma:



“Nº 374 – Município de Turmalina

a) Limites Municipais:
(...)

3 – Com o município de Capelinha:
Começa   no   rio   Fanado,   na   foz   do   córrego   dos   Macacos,   sob  e por   este  córrego
até sua cabeceira; atinge o divisor de águas dos rios Fanado e Itamarandiba e continua por este divisor e pelo espigão da Mangabeira, no lugar denominado Pinguela, no ponto fronteiro ao espigão do Curtume”.

                    E a de Capelinha, com a versão contrária, também publicada pela mesma lei:

“Nº 69 – Município de Capelinha:

a) Limites Municipais:
   
(...)

2 – Com o município de Turmalina

                    Começa no rio Itamarandiba, no ponto fronteiro ao espigão do Cortume, no lugar denominado Pinguela; sobe a encosta da margem direita do rio, atingindo o espigão da Mangabeira; segue por este espigão até atingir o divisor de águas do rio Itamarandiba-rio Fanado e por este divisor até defrontar a cabeceira do córrego do Macaco; desce por este córrego até sua foz, no rio Fanado”.

                    Se tomarmos, porém, a descrição das divisas entre os municípios de Capelinha e Veredinha, estabelecidas pela Lei 12030, de 21 de dezembro de 1995, com base em subsídios técnicos do IGA, pode-se observar que elas foram alteradas. Senão, confira o que por ela ficou estabelecido:

“XCV – Município de Veredinha

Desmembrado do município de Turmalina

(...)
                    Começa no divisor de águas dos rios Fanado e Itamarandiba, defronte a cabeceira do córrego dos Macacos; segue por este divisor até a altura das cabeceiras do córrego Santa Catarina, contornando-as e prosseguindo pelo divisor da vertente da margem esquerda desse córrego, até defrontar o lugar denominado Pinguela, junto ao rio Itamarandiba; descendo a encosta, atinge o rio nesse lugar, defronte ao espigão do Curtume”.

                    Ora, os técnicos do IGA insistem em afirmar que não alteraram a descrição legal dos limites entre os municípios de Capelinha e Veredinha. É certo, todavia, que alteraram o texto legal, fazendo recuar a linha divisória, que seguia pelo espigão da Mangabeira, até o córrego Santa Catarina.  Como aqui se pôde verificar, a legislação sempre apontou a divisa seguindo pelo espigão da Mangabeira, omitido pelo anexo da Lei 12030, elaborado pelo IGA;  antes, nunca se mencionou o córrego Santa Catarina como acidente geográfico de divisa entre ambos os municípios, que passa, porém a ser citado pelo mesmo anexo da Lei 12030. No Relatório Técnico de Vistoria da Linha Divisória entre os Municípios de Capelinha e Veredinha, realizado em maio último, os mesmos técnicos afirmam que  somente alguns ajustes foram feitos em seu texto legal, baseado (sic) em documentos cartográficos mais modernos”. Ora, não apenas foi demonstrada aqui a alteração legal, como efetivamente a área objeto da alteração – equivalente a 246,79 Km2 – foi desmembrada de Capelinha e incorporada ao município de Veredinha. 

O que dizem os mapas

                    A primeira vez que o território de Capelinha figurou num mapa cartográfico de Minas Gerais foi ainda ao seu tempo de Capitania, no ano de 1821. Em mapa elaborado pelo Barão de Eschwege, figura com o nome simplificado de Graça, bem ao lado do Alto dos Bois. Em 1862, volta a figurar na Carta da Província de Minas Gerais, elaborada pelo Engenheiro Halfeld, já como freguesia também de modo simplificado denominada Srª da Graça. Ambos esses mapas, porém, não traziam com precisão a delimitação dos municípios e dos distritos.
                    Em 1923, a Comissão Mineira do Centenário de Independência do Brasil publicou o mapa de todos os municípios mineiros existentes até então. Esse foi o primeiro mapa municipal de Capelinha, intitulado Município de Capelinha, e exibe nitidamente as divisas com o então distrito de Veredinha, exatamente como descritas para o distrito e freguesia de Nossa Senhora da Graça da Capelinha. Ou seja, as divisas sempre foram “mais ao norte” do que hoje postula o IGA.
                    Por parte do estado de Minas Gerais, temos conhecimento de que fez-se publicar o mapa Divisão Administrativa do Estado de Minas Gerais em 1936. Neste, não se visualizam com exatidão os marcos de divisa entre os municípios de Capelinha e o então distrito de veredinha, já que aponta tão somente os grandes rios mineiros, omitindo acidentes geográficos menores, indispensáveis à observação do que estamos tratando. Mas uma coisa é perfeitamente observável: a reentrância que penetra o mapa municipal de Capelinha, a partir das divisas com Turmalina, não é tão profunda como atualmente propõe o IGA.
                      O Decreto-Lei 148, de 17/12/1938, criou 71 novos municípios e 67 distritos em Minas Gerais. Em decorrência dele, foi elaborado o mapa da nova divisão territorial do estado de Minas Gerais. É aí que se pode verificar a dúvida do engenheiro que traçou as divisas municipais de Capelinha e Minas Novas (Turmalina ainda não se emancipara). Ele parece desconhecer que o município de Capelinha engloba todo o espigão da Mangabeira e o Monte Alegre (hoje, Serra de São Caetano), vacilando nas divisas com o distrito de Veredinha, perfeitamente conhecidas desde pelo menos 1856 (como já demonstramos) e não alteradas pela Lei nº 2145, de 29/10/1875, que criou o distrito de Vendinha, retificado para Veredinha pela Lei nº 2419, de 05/11/1877. O que aqui se disse vale para explicar as imprecisões verificáveis nos mapas municipais de Capelinha elaborados em 1939 e 1954.
                    O mesmo erro cartográfico de 1939 e 1954 volta a se verificar no mapa Município de Capelinha, elaborado pelo IBGE em 1990 para subsidiar o seu Censo Demográfico de 1991. A propósito, a agência do IBGE de Capelinha se surpreendeu com a recepção desse mapa para orientação de seus trabalhos de campo, já que tradicionalmente os moradores da área hoje incorporada ao município de Veredinha sempre foram contabilizados para o de Capelinha. Na dúvida, somente no último Censo Demográfico, realizado em 2000, a agência do IBGE de Capelinha veio a contabilizar tais moradores para Veredinha
                    Outro fato curioso é que a área municipal de Capelinha sempre foi apresentada em todos os mapas mais recentes (inclusive os que apresentam erroneamente as divisas com o distrito de Veredinha) como sendo de 1397 Km2. Com o desmembramento do distrito de Vila dos Anjos (atual Angelândia), em 1995, a área remanescente deveria ser de 1212,84 Km2, já que o ex-distrito tem hoje 184,16 Km2. No entanto, foi apresentada como sendo de apenas 966,05 Km2. Isso significa que 246,79 Km2 é o tamanho da área desmembrada indevidamente do município de Capelinha e incorporada ao de Veredinha.
                    É, portanto, sobre a imprecisão de mapas elaborados posteriormente a fatos e leis vigentes desde 1856 que o IGA elaborou sua tese aplicada à alteração de limites entre os municípios de Capelinha e Veredinha.

O que dizem as pessoas

                    São poucas as pessoas em Capelinha que têm conhecimento desses fatos. Causa, porém, indignação aos moradores da área em questão saberem que foram transferidos, com suas terras e demais posses, para o município de Veredinha. Aliás, na prática não sentem a efetividade disso, porque todos os seus vínculos continuam sendo com o município de Capelinha: suas terras são tituladas como pertencentes ao município de Capelinha; seus documentos pessoais lhes dão como naturalidade o município de Capelinha; seus filhos continuam a ser batizados e registrados civilmente como cidadãos capelinhenses...
                    No dia 07 de julho de 2003, a Câmara Municipal de Capelinha realizou sessão exclusiva para tratar a questão com todos os setores da sociedade civil do município. Na Câmara Municipal estavam presentes alguns moradores de comunidades rurais localizadas na área objeto da polêmica. O presidente da Associação Comunitária dos Pequenos Produtores Rurais de Fazendinha, um senhor da terceira idade, declarou que “Desde que entendo por gente, as terras em que moro sempre pertenceram ao município de Capelinha. O mesmo diziam meu pai e meu avô”. Um vizinho seu corrobora suas palavras e acrescenta “Curioso é que, antes de existir esse tal IGA, nossas terras sempre foram consideradas como parte do município de Capelinha...”
                  
CONSEQUÊNCIAS ATUAIS E FUTURAS

                    De imediato, o erro implicou na necessidade de se elaborarem novas cartas topográficas para o município de Capelinha. Não se tem esclarecimento sobre eventuais iniciativas que cerca de 50 famílias residentes na área deveriam levar a efeito com relação a alterações em documentos de posse de suas propriedades rurais e mesmo em documentos pessoais, aí incluídos títulos eleitorais e certidões de nascimento de recém-nascidos. Algumas conseqüências são mais preocupantes, por configurarem transferência de recursos financeiros do município de Capelinha para o de Veredinha. A primeira delas adveio da supressão de habitantes pelo Censo Demográfico realizado no ano de 2000. Com o acréscimo para Veredinha, aquele município passou a contabilizar mais recursos financeiros do Fundo de Participação dos Municípios – FPM – do Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental – FUNDEF – e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Para se ter uma idéia do montante desses recursos, basta evidenciar que somente o ICMS proveniente de uma bateria de produção de carvão vegetal da Acesita Energética (atual Arcelormittal) transferia mensalmente de Capelinha para Veredinha mais de R$ 20.000,00. Fato interessante é que a madeira de eucalipto utilizada na produção do carvão sai do município de Capelinha e apenas a bateria encontra-se na área objeto do litígio. Teoricamente, o problema se resolveria com a simples mudança da bateria pela Acesita.
                    Outro fato curioso é que as famílias da área em questão continuam sendo assistidas pelo município de Capelinha com saúde, educação, transporte e até sacramentos religiosos ministrados pela Paróquia de Capelinha... Em síntese, Capelinha paga os ônus e Veredinha colhe os bônus.

DA DIFICULDADE DE REVERSÃO DO PROBLEMA

                    A Lei Estadual nº 12030, de 22/12/1995, que criou 97 novos municípios em Minas Gerais, dentre eles o de Veredinha, também ratificou os limites fixados pelo IGA, daí não ser tão simples reverter tal erro. À primeira vista, bastaria tão somente o IGA reconhecer o seu erro, retificá-lo com um laudo técnico e, por sua própria iniciativa, providenciar juntamente à Assembléia Legislativa de Minas Gerais uma lei de retificação do limites. O IGA hoje sugere que o processo terá que tramitar primeiramente no âmbito dos dois municípios, envolvendo os poderes legislativo e executivo. Feito o acordo nessa instância – em que o município de Veredinha reconhece oficialmente o equívoco – as autoridades de Capelinha deverão acionar a Assembléia Legislativa de Minas Gerais, fazendo-se votar uma lei que restaure os limites originais entre os dois municípios.
                    Talvez, fosse conveniente consultar um competente advogado sobre o problema. Sabe-se, por exemplo, que existem mecanismos e dispositivos legais que podem ser acionados juntamente ao Ministério Público com o objetivo de se reaver e salvaguardar direito tido como líquido e certo. Parece-nos que tais dispositivos se aplicam ao presente caso.
                    Curiosamente, a administração municipal vigente à época manteve-se impassível face à questão durante toda a sua gestão e somente após perceber um rombo mensal no orçamento do município, envidou débeis esforços para contornar esse problema tão grave. É de se estranhar que o Sr. Prefeito e o Presidente da Câmara Municipal não tenham participado dos trabalhos de vistoria técnica da área de limites, em maio de 2003, ainda que previamente fossem convocados pela diretoria do IGA. No dia 07 de julho de 2003, a Câmara Municipal de Capelinha realizou uma sessão aberta à participação pública – com um limitado número de representantes da sociedade - em que se discutiu a questão e se tentou vislumbrar uma solução. Na ocasião, a comissão de vereadores que já vinha estudando o litígio foi ampliada com os cidadãos José Carlos Machado, historiador, escritor e estudioso das questões ligadas ao município de Capelinha, e o Sr. Sebastião Campos Oliveira, coordenador da agência local do IBGE, também profundo conhecedor da questão dos limites municipais. Todavia, o vereador-presidente da Comissão, Pedro Antônio Coelho, não levou a efeito ação efetiva com vistas a uma busca de equacionamento do problema.
                    Seja como for, para esse impasse, a nosso ver, não se tem dispensado um esforço efetivo e, sobretudo, competente por parte dos poderes constituídos de Capelinha. É natural e compreensível, sim, a impassibilidade do chefe do Executivo Municipal de Veredinha face ao problema, que só lhe rende dividendos.

OS NÚMEROS DA QUESTÃO


Área original do município de Capelinha                                                            1397 Km2
Superfície da área objeto do erro do IGA                                                         246,79 Km2
Área do município de Veredinha, incluindo-se a fração acima                      633,74 Km2
Área do município de Angelândia (para comparação                                     184,16 Km2
Área do município de Capelinha com a perda                                                 966,05 Km2
População residente na área, estimada pelo IBGE no Censo 2000                     200
Escolas mantidas pelo município de Capelinha na área                                        04
Templos católicos existentes na área                                                                        01
Associações comunitárias existentes                                                                        03
Perda mensal de recursos financeiros pelo município de Capelinha         + de R$ 20 mil



CONCLUSÃO

                    A edição da Lei 12030, publicada em 21/12/1995 pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, acarretou para o município de Capelinha uma perda territorial de 246,79 Km2, anexada ao município de Veredinha. Os anexos da citada lei, no tocante às questões de divisas entre os municípios, foram elaborados pelo Instituto de Geociências Aplicadas de Minas Gerais, que nega categoricamente ter procedido qualquer alteração nas divisas municipais de Capelinha e Veredinha. Entretanto, o presente documento demonstra que não apenas o texto legal de divisas foi alterado como também, na prática, essa alteração se faz sentir: juntamente com a área territorial, foram transferidos de Capelinha para Verdeinha um contingente populacional da ordem de 200 habitantes e recursos financeiros do ICMS, do FPM e do FUNDEF. Além disso, foram afetados os valores culturais e históricos do município de Capelinha.
                    O erro na definição dos limites entre os dois municípios adveio de interpretações distorcidas da legislação que trata deles, aí contribuindo decisivamente a imprecisão dos mapas cartográficos do município de Capelinha. A indefinição dessas divisas começou a se verificar, na prática, a partir de 1990, com alterações na planta cartográfica municipal de Capelinha, elaborada pelo IGA. Em 1995, esse erro se transferiu para o texto legal de descrição das divisas entre o município de Capelinha e o de Veredinha, este recém-emancipado de Turmalina.
                    O município de Capelinha pleiteou, sem êxito, que a divisa retornasse ao ponto que originariamente vigorava desde 1856, quando seu território foi demarcado para criação da freguesia, mantendo-se inalterado por sucessivas legislações posteriores. O IGA, por seu turno, não admite ter promovido qualquer alteração nas divisas de que ora nos ocupamos. As autoridades municipais de Veredinha admitiram tacitamente o erro por parte do IGA, mas mantêm-se indiferentes ao drama de Capelinha, porque a questão só lhe tem rendido lucros. Ficou, pois, criado um impasse não desfeito após tentativa formal de entendimento entre os poderes constituídos dos dois municípios com uma posterior interveniência da Assembléia Legislativa de Minas Gerais.